por Laio Bispo
O que significa ser marginal em tempos de fragmentação, multiplicidades e, sobretudo, virtualizações culturais? Significa, antes de qualquer coisa, que o marginal vem perdendo sua pompa. Não existe o centro e, por infame ironia, a margem expande-se, ganha corpos estranhos e descaminhos certos. Em meio a isso sociólogos e antropólogos cospem para cima seus esputos teóricos, como que querendo, com isso, algo acertar acerca dessa problemática contemporânea.
É possível falarmos em centros de ressonância culturais, até porque estas sobrevivem de forma esplendida e fomentam-se indefinidamente sobre o julgo estreito do conceito de repetição. Ao que parece, é cada vez mais difícil falar em uma autêntica marginalidade, assim como se falava outrora. Hoje os marginais da cultura temem, e a ninguém fazem temer; tornaram-se eruditos menores, protótipos irreconciliáveis dos paladinos da cultura burguesa que, dessa forma, acabam tão destituídos de criação quanto seus ídolos. Os marginais tornaram-se simulacros. Bifurcações intelectuais inoperantes ou, quando muito,especulativas.
Nos movimentos artísticos, sobretudo os literários, não se pode negar os decalques de primado acadêmico, a contraposição vulgar que se opõe sem qualidade e todo o conseqüente empobrecimento criativo. Hoje, também, não devemos, obviamente, esperar que surjam mais movimentos de tipos identitários, com intenções comuns e representantes de um mesmo e único padrão. A página da unidade característica está virada, é tempo de singularidades, novas poéticas, hibridização artística; a produção desse tempo não convêm segundo leis e estratificações, ela se quer desejante e, por conseqüência, nova. É no avesso das produções rendidas à intelectualidade enfadonha que encontra-se a singular literatura de Ferréz, cujos vínculos narrativos e estilísticos abstraem-se para dar lugar a uma escrita construída diferente, sem charmes e vaidades, que consegue, com êxito, transferir o peso psicológico de suas vivências para a firmeza das mãos que as relata. Ferréz, essa fantástica composição delinqüente, que em meio a tantos traços alia, também, valentia (Vígulino “Ferreira” Lampião) e força (Zumbi), herda, com isso, um traço de particular inteligência, uma inteligência construída à sua maneira, em seus conseqüentes vividos e inquietações, que não é necessariamente banditismo nem revolta, mas que talvez seja de natureza similar. Ferréz parece ser o atualizador de um conceito que se encontra, sob vários aspectos, perdido, mas que parece ganhar novo significado. É ele, em um sentido muito próprio, um indicador de marginalidade.
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