quinta-feira, 29 de abril de 2010

Devir Mestiço - Pequenas e confusas considerações



Algumas idéias, sobretudo as constituídas em nível macro, tendem a um embrutecimento do conceito de mestiçagem. A atenção proposital dada durante séculos de desdobramentos do pensamento cartesiano, provocou a criação de um pensamento estéril, conseqüente da deturpação de conceitos como os de mestiçagem, multiplicidade, etc. em prol da demasiada atribuição valorativa de princípios identitários. Idéias frias, paralisantes. Assim se constituiu e assim manteve-se o discurso da pureza. Sob bases imóveis, que vieram afirmar o pensamento da separação, cujo interesse era a decomposição em prol de um pensamento “puro”, e as idéias de fusão, cujo intuito pautava-se numa dialética profana, ávida por síntese, que desencadeava visões totalitárias.

Por processos de ordem parecida, com as já citadas, se desenvolveram movimentos teóricos como, por exemplo, o culturalismo americano, onde a tentativa de uma ratificação de idéias identitárias mostrou-se fortemente aguda em seus propósitos, embora pouco fiel ao movimento plural da realidade. De maneira um tanto diferente, embora também carente de concretude, o multiculturalismo lança atenção às minorias, embora pecando na atribuição do conceito de coexistência. De maneira direta ambos os movimentos incorrem em discursos sobre palavras como puro, simples, fronteira e conceitos outros que se equivalem simbolicamente. Tais palavras sustentam a idéia dominante, e pouco plausível, do caráter identitário humano. Segundo os autores do livro “Mestiçagem” algumas diferenças entre os conceitos de identidade/pureza e de mestiçagem, tornam-se evidentes pelo fato de que:

Se esta tese da pureza é refractária à sua própria teorização, é porque ela não resiste à prova dos factos. Mostra-se condenada ao absurdo. A identidade “própria” concebida como propriedade de um grupo exclusivo seria inerte, já que ser apenas eu-próprio, idêntico ao que era ontem, imutável e imóvel, é não ser, ou melhor, é já não ser, ou seja, é estar
morto. Porque ser, é ser com, é ser em conjunto, é partilhar – a maioria das vezes conflituosamente – a existência. (p.76)

A contestação de tais idéias leva , obviamente, a uma nova interpretações das questões culturais, é nesse sentido que a idéia de identidade cultural mostra-se falaciosa e insustentável enquanto discurso. A multiplicidade e os processos inconstantes de rupturas e, sobretudo, de devir dos movimentos - até então negligenciado pelo falso cunho da identidade - mostra que a identidade cultural, tal como conhecemos, não existe. Que ela é, em ultimo caso, uma fabula criada nos subterrâneos dos dualismos e monismos existentes, que, de variadas formas, sempre mantiveram-se alienados do real.

Ora, apresentadas as ficções identitárias, como propor uma alternativa que as substituam? A resposta, ou classificação, não é de todo possível a menos que se julguemo-nas em meio a pluralidade e singularidades apresentadas pelos estados de cada situação. Países como Brasil, por exemplo, aparecem de maneira singular na interpretação da questão da mestiçagem, afinal:

No Brasil, com efeito, pode perfeitamente Ser-se brasileiro por nacionalidade, português pela língua, inglês pela religião. O que aí existe, sem duvida mais do que noutros lugares, são espaços de manobra em todas as acepções do termo, não o saturado do homogêneo, mas espaços com aberturas, vazios, entremeios. (p.79)

Em suma, o Brasil, em sua condição mestiça, sempre em devir, apresenta possibilidades, foge de esquemas binários, afasta-se do modelo da árvore para proceder por rizoma.

CONCLUSÃO

A mestiçagem apresenta-se problemática não apenas em questões étnicas, mas, também, e de tal maneira estratificante, nas questões éticas e epistemológicas, afinal o pensamento do purismo está fortemente enraizado nas mais intimas estruturas do pensamento ocidental.

Em suma o que percebe-se, de maneira geral, é o medo em relação a esse pensamento degenerado que atenta contra o bom senso e contra o moralismo do pensamento do idêntico, do uno indivisível. O pensamento mestiço, rizomatico e singular é fortemente ameaçador, corrói as estruturas de um pensamento limitado que não reconhece o incessante, e fundamental, movimento do devir.

 BIBLIOGRAFIA:

LAPLANTINE, François; NOUSS, Alexis. A mestiçagem. Lisboa, Instituto Piaget.

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