sábado, 16 de outubro de 2010

Brevíssima consideração sobre a estética cinematográfica ultraviolence (1)


O cinema, já não é de hoje, deixou de representar e aludir-se a ficções meramente despropositadas. De modo geral sabe-se que o cinema ganhou a partir da década de sessenta um status, uma certa independência artística que lhe foi possível graças a sua capacidade e potencial enquanto linguagem singular e auto-suficiente.  Salvo o desenvolvimento técnico evidente durante os últimos tempos, o que o cinema tem nos dito? 
                Ora, não se pode em tempos híbridos cobrar uma polidez artística de qualquer manifestação que se proponha interrogativa quanto às problemáticas do contemporâneo. As expressões artísticas desses tempos líquidos acompanham esse escorrimento de sutilezas fugazes, pobres em potência afetiva.  Um tempo de crises diversas. A crise da representação, já debatida e questionada, ainda não foi digerida; a crise da imagem-ação e de suas capacidades perceptivas e afetivas são, só para citar alguns exemplos, retratos de um vivido artístico conturbado. O cinema é um veiculo em crise, um meio expressivo que deve se auto-questionar, não em função de ditames históricos, mais, sobretudo, em função de sua potência criativa e de sua relação com a própria vida. Dada a complexidade que envolve uma crítica do suporte cinematográfico em si – sua função, história, desenvolvimento técnico, narrativo, conceitual, etc. – hesitarei quanto a abordagem nesse sentido, dando, no entanto, atenção a relação que o cinema inexoravelmente mantêm com os fatos cotidianos, ou seja: com o fora. Para tanto é preciso que, antes de mais nada, se atente para co-relação existente entre os aspectos temáticos e narrativos, ou  os planos relativo à fábula e à narrativa. De maneira simplificada pode-se entender ambos sob os seguintes aspectos:

O primeiro refere-se ao como – ao conjunto das modalidades de língua e estilo que caracterizam o texto narrativo. A articulação feita pelo cineasta dos diversos elementos de linguagem fílmica. Como ele articula estes elementos é que determina o estilo de cada um. O segundo, o plano da fábula, refere-se à coisa da narração – à sua história.  (SETARO, André.)

                Na analise de um filme essas questões podem se referenciar e se confrontarem de diversos modos. A primeira, no entanto, implica fundamentalmente na analise e entendimento especificamente cinematográfico. O segundo elemento (o plano da fábula), por suas vez, é um suporte do elemento fílmico, porém, de ordem menor na analise do filme. O problema encontra-se justamente na inversão valorativa desses planos; de maneira geral o que se percebe é uma imensa atenção dedicada à fábula, quando na verdade deveríamos dedicar nossa atenção, sobretudo, à narrativa.
                O que acontece hoje com o cinema é um processo de caráter inibidor quanto a percepção cinematográfica que, contrariamente ao que se possa imaginar, parte do próprio cinema, ou ainda, para ser mais preciso, dos “cineastas”. Estes assinam suas obras e se valem do titulo honorifico para de modo inverso apresentarem trabalhos que pouco se referem ao cinema em si. A esse estranho movimento do cinema pode-se, facilmente, apontar as forças que o fazem potencializar esses irônicos contrastes. O cinema ultravioence é um exemplo desse movimento, sendo, com isso, um difusor da fábula e um inibidor de narrativas. Os filmes cult’s, que tem como foco a violência, transbordam uma pseudo-cinematografia, um burburinho audiovisual tipicamente voltado para mainstream do consumo da má-digestão. Tomando-o como exemplo pode-se destacar que desde meados da década de noventa essa estética “nova” vêm ganhando cada vez mais destaque e atenção do público; o ultraviolence, cujo real significado encontra-se no – esses sim, primoroso – Laranja Mecânica (1971) de Stanley Kubrick que trabalha uma estética da violência que acaba por nortear a narrativa filme, colocando-a, também, a serviço de outros intercessores temáticos, fazendo com que a temática da violência repercuta, faça ressonância frente a outros temas. Mas, qual seria, por tanto, a potência – se é que ela existe em sentido positivo – dessa estética cinematográfica contemporânea?