É quando a vida vase.
É quando como quase.
Ou não, quem sabe.
Paulo Leminski
O alcoolismo é um tema bastante controverso e, por isso, remete a níveis variados de sensações e intensidades. As experiências etílicas são, sobretudo, construídas em níveis moleculares, cujos fluxos fazem, por horas a fio, nascerem múltiplas formas desejantes de embriaguez. O álcool procura seus intercessores, procura diluir-se em meio a novas multiplicidades, e, com isso, encontra imanentes palavras por onde pode, com certos contrastes, cumprir sua função nômade. Essa incessante relação, quando compreendida, pode produzir, engendrar criações.
A relação entre embriaguez e produtividade é uma constante nas atividades artísticas, um dos pontos altos dessa promiscua e perigosa relação, que tem - às vezes - a criatividade como resultado maximo, é a poesia, cuja fertilidade de seus platôs parecem proceder por uma insaciável necessidade de irrigação alcoólica, que vem se metamorfoseando sem, contudo, em meio a seus devires, deixar de proceder por processos de atualizações dionisíacas. Beber é estar em um estado constante de iminência, uma ameaça de acontecimento sem mediações, é estar perigosamente a salvo das posturas, das danações das normas. “Beber é, literalmente, fazer tudo para chegar ao último copo” (DELEUZE). O ultimo copo, - este que se esvazia a cada vez em que os limites do corpo impedem o potencial alcoólico - bem como o primeiro, estão sempre a sofrer atualizações, o ultimo repeti o primeiro em um agenciamento necessário para o alcoólatra. A bebida é uma máquina, e maquinas fazem seus agenciamentos, suas conexões, produzem em meio a fluxos e produzem, elas mesmas, fluxos, não se abstêm de devires-outros e, por isso, não deixam de oferecer perigo. É necessário detectar o perigo. A ameaça maior não consiste em excessos, e também não se pode julgar o perigo pela freqüência, a ameaça é quando percebe-se uma incapacidade produtiva diante daquilo que se faz por oficio, Deleuze, nesse sentido, atenta que:
(...) beber, se drogar, pode-se fazer tudo o que se quer, desde que isso não o impeça de trabalhar, se for um excitante é normal oferecer algo de seu corpo em sacrifício. Beber, se drogar são atitudes bem sacrificais. Oferece-se o corpo em sacrifício. Por quê? Porque há algo forte demais, que não se poderia suportar sem o álcool. A questão não é suportar o álcool, é, talvez, o que se acredita ver, sentir, pensar, e isso faz com que, para poder suportar, para poder controlar o que se acredita ver, sentir, pensar, se precise de uma ajuda: álcool, droga, etc. A fronteira é muito simples. Beber, se drogar, tudo isso parece tornar quase possível algo forte demais, mesmo se se deve pagar depois, sabe-se, mas em todo caso, está ligado a isto, trabalhar, trabalhar. E é evidente que quando tudo se inverte, e que beber impede de trabalhar, e a droga se torna uma maneira de não trabalhar, é o perigo absoluto, não tem mais interesse, e, ao mesmo tempo, percebe-se, cada vez mais, que quando se pensava que o álcool ou a droga eram necessários, eles não são necessários. (DELEUZE)
Em nível intelectual a embriaguez parece se apresentar muito mais contemplativa do que discursiva, produz e age como dispositivo estético puro mais do que ajuda em desenvolvimentos e elucubrações argumentativas e retóricas. Se Bebe para sentir-se fragmentado, desterritorializado, imune aos grilhões dos micro-fascismos que engendramos - ainda que não por nossa exclusiva culpa - no dia a dia. A bebida é um meio e “meio não é uma média; ao contrario, é o lugar onde as coisas adquirem velocidade” (DELEUZE) e por isso as impressões etílicas não deixam de agir de maneira importante nos desdobramentos intelectuais de quem as sabe utilizá-la e apreende-las como instrumento. O álcool pode se apresentar como ruptura dentro de um movimento incessante que busca o enfrentamento de algo que é forte, a bebida, então, se apresenta como uma forma de enfrentamento e não de acovardamento. Bebe-se para enfrentar e não fugir. Dessa maneira o problema parece se encontrar na vulgarização dessa atitude e no proposital empobrecimento de tais sensações ao longo de uma historia demasiadamente racional marcada pelo subdesenvolvimento estético, e pela conseqüente pieguice estética do bom-senso.
É quando como quase.
Ou não, quem sabe.
Paulo Leminski
O alcoolismo é um tema bastante controverso e, por isso, remete a níveis variados de sensações e intensidades. As experiências etílicas são, sobretudo, construídas em níveis moleculares, cujos fluxos fazem, por horas a fio, nascerem múltiplas formas desejantes de embriaguez. O álcool procura seus intercessores, procura diluir-se em meio a novas multiplicidades, e, com isso, encontra imanentes palavras por onde pode, com certos contrastes, cumprir sua função nômade. Essa incessante relação, quando compreendida, pode produzir, engendrar criações.
A relação entre embriaguez e produtividade é uma constante nas atividades artísticas, um dos pontos altos dessa promiscua e perigosa relação, que tem - às vezes - a criatividade como resultado maximo, é a poesia, cuja fertilidade de seus platôs parecem proceder por uma insaciável necessidade de irrigação alcoólica, que vem se metamorfoseando sem, contudo, em meio a seus devires, deixar de proceder por processos de atualizações dionisíacas. Beber é estar em um estado constante de iminência, uma ameaça de acontecimento sem mediações, é estar perigosamente a salvo das posturas, das danações das normas. “Beber é, literalmente, fazer tudo para chegar ao último copo” (DELEUZE). O ultimo copo, - este que se esvazia a cada vez em que os limites do corpo impedem o potencial alcoólico - bem como o primeiro, estão sempre a sofrer atualizações, o ultimo repeti o primeiro em um agenciamento necessário para o alcoólatra. A bebida é uma máquina, e maquinas fazem seus agenciamentos, suas conexões, produzem em meio a fluxos e produzem, elas mesmas, fluxos, não se abstêm de devires-outros e, por isso, não deixam de oferecer perigo. É necessário detectar o perigo. A ameaça maior não consiste em excessos, e também não se pode julgar o perigo pela freqüência, a ameaça é quando percebe-se uma incapacidade produtiva diante daquilo que se faz por oficio, Deleuze, nesse sentido, atenta que:
(...) beber, se drogar, pode-se fazer tudo o que se quer, desde que isso não o impeça de trabalhar, se for um excitante é normal oferecer algo de seu corpo em sacrifício. Beber, se drogar são atitudes bem sacrificais. Oferece-se o corpo em sacrifício. Por quê? Porque há algo forte demais, que não se poderia suportar sem o álcool. A questão não é suportar o álcool, é, talvez, o que se acredita ver, sentir, pensar, e isso faz com que, para poder suportar, para poder controlar o que se acredita ver, sentir, pensar, se precise de uma ajuda: álcool, droga, etc. A fronteira é muito simples. Beber, se drogar, tudo isso parece tornar quase possível algo forte demais, mesmo se se deve pagar depois, sabe-se, mas em todo caso, está ligado a isto, trabalhar, trabalhar. E é evidente que quando tudo se inverte, e que beber impede de trabalhar, e a droga se torna uma maneira de não trabalhar, é o perigo absoluto, não tem mais interesse, e, ao mesmo tempo, percebe-se, cada vez mais, que quando se pensava que o álcool ou a droga eram necessários, eles não são necessários. (DELEUZE)
Em nível intelectual a embriaguez parece se apresentar muito mais contemplativa do que discursiva, produz e age como dispositivo estético puro mais do que ajuda em desenvolvimentos e elucubrações argumentativas e retóricas. Se Bebe para sentir-se fragmentado, desterritorializado, imune aos grilhões dos micro-fascismos que engendramos - ainda que não por nossa exclusiva culpa - no dia a dia. A bebida é um meio e “meio não é uma média; ao contrario, é o lugar onde as coisas adquirem velocidade” (DELEUZE) e por isso as impressões etílicas não deixam de agir de maneira importante nos desdobramentos intelectuais de quem as sabe utilizá-la e apreende-las como instrumento. O álcool pode se apresentar como ruptura dentro de um movimento incessante que busca o enfrentamento de algo que é forte, a bebida, então, se apresenta como uma forma de enfrentamento e não de acovardamento. Bebe-se para enfrentar e não fugir. Dessa maneira o problema parece se encontrar na vulgarização dessa atitude e no proposital empobrecimento de tais sensações ao longo de uma historia demasiadamente racional marcada pelo subdesenvolvimento estético, e pela conseqüente pieguice estética do bom-senso.
Laio Sampaio Bispo
Quanto ao tema:
O texto, como bem pode-se perceber, não tem pretensões outras que não a própria,e vaga, reflexão de algumas possibilidades quanto ao tema proposto, e , portanto, é um texto inacabado. A idéia surgiu a partir da leitura de uma entrevista concedida pelo filosofo Gilles Deleuze a Claire Parnet, intitulada “Abecedário Deleuze”, no qual o filosofo dedica a letra “B” a bebida e comenta a sua relação com alcoolismo.
Quanto ao vocabulário:
O vocabulário utilizado tenta uma aproximação com os conceitos criados por Deleuze & Guattari, logo, a compreensão do texto procede, embora não necessariamente, por uma certa familiarização com tais conceitos.
O Abecedário pode ser lido aqui: http://www.oestrangeiro.net/esquizoanalise/67-o-abecedario-de-gilles-deleuze
Quanto ao tema:
O texto, como bem pode-se perceber, não tem pretensões outras que não a própria,e vaga, reflexão de algumas possibilidades quanto ao tema proposto, e , portanto, é um texto inacabado. A idéia surgiu a partir da leitura de uma entrevista concedida pelo filosofo Gilles Deleuze a Claire Parnet, intitulada “Abecedário Deleuze”, no qual o filosofo dedica a letra “B” a bebida e comenta a sua relação com alcoolismo.
Quanto ao vocabulário:
O vocabulário utilizado tenta uma aproximação com os conceitos criados por Deleuze & Guattari, logo, a compreensão do texto procede, embora não necessariamente, por uma certa familiarização com tais conceitos.
O Abecedário pode ser lido aqui: http://www.oestrangeiro.net/esquizoanalise/67-o-abecedario-de-gilles-deleuze
9 comentários:
Ótimo Post !!!
Não concordo com a conclusão do texto, diria q ele é um pouco radical. Acredito que o álcool ajuda a encarar, mas também a fugir dos problemas e isso depende de cada individuo e quanto. Mas lanço uma questão, será quem bebe pra fugir dos problemas já esta embriagado dessa visão “vulgar” e acaba usando o álcool como válvula d escape???
Um hábito plebeu, dos fracos.
Deleuze diz muito, quando na verdade não disse ainda o suficiente. A bebida é própria daqueles que, parodaxalmente, não tem estomago forte o bastante para quererem da vida justamente aquilo que não irão suportar sem auto-superação.
afoguem-se na bebida e delirem no efêmero, pobres de espirito.
Hendor.
Comentário pertinente e interessante a observação feita. A questão da fuga pode se dar de maneiras diversas,dentre as quais como estratégica, é importante, por tanto, que saibamos reconhecer até que ponto usamos a bebida dessa maneira e, da mesma forma, de que maneira o reverso se da. Existem opções que transitam entre a coragem e a covardia, a que nivél estamos só nós mesmos,mediante reflexão, poderemos responder.
Grande abraço, véi!
Caro Anônimo;
Bebu agora um cervejinha,gelada e convidativa. Que tal um copo?
PS:Releia o txt, use de argumentos mais sensatos e menos pedantes.E por favor,se possível indentifique-se, afinal, não existe mal nenhum em opor a sua opnião a minha.
Potência para enfrentar ou modo de fugir?
Talvez a procura pela substância se dê em função de sua condição bifásica.
Num 1º momento ela é (como a cocaina) excitadora do sistema nervoso central. Num 2º momento, (como a maconha), ela deprime o SNC.
Para quem quer saber mais indico o café filosófico sobre Deleuz e o alccol, muito bom
http://www.cpflcultura.com.br/video/integra-deleuze-e-alcool-daniel-lins
eliapsy;
Primeiro obrigado pelo comentário,pertinente a sua observação e a relação feita. Quanto a essa relação é interessante notar que Deleuze não faz distinções entre as drogas ilícitas e o alcool, ambas podem agir e cumprir funções parecidas, desde de que,claro, sejam utilizadas com propositos, ao menos, similares. A questão encontra-se ai como uma fuga ativa que se da de maneira positiva e estratégica.
Quanto ao vídeo de Daniel Lins, no café filosófico,é,sim, uma otima dica; aliás encontra-se, já, no blog como sugestão.
O texto é bem escrito.
Ao se afirmar a necessidade do álcool como um fator que contribui para encarar os problemas,acho que isso poderia legitimar uma dependência quimica com consequencias desastrosas para as potencialidades dos individuos.Isso tudo com base no argumento: eu não consigo lidar com as dificuldades sozinho.Além disso nada como, em alguns momentos, a lucidez para encarar certas realidades e verdades.
Grande Abraço
Heraldo Fraga
Grande Heraldo! Valeu o comentário, se me permite vou usar seu comentário pra esclarecer outras questões também.
As interpretações ,infelizmente, vem caindo em uma vala comum, e explico-lhes o porque; o txt em questão faz referencias a, pelo menos, cerca de dez conceitos, esses são utilizados de maneira a,por assim dizer, fazerem uma 'limitada' aproximação com o pensamento de Deleuze & Guattari, logo, a não familiarização com tais conceitos pode acarretar alguns maus entendidos. Mas enfim; desfazendo alguns mitos, é importante que nos afastemos do mais do mesmo e da vulgaridade e repensemos certas coisas sobre o assunto. Um dos principais comentários que tenho ouvido sugere certa apologia, de minha parte, a bebida alcoolica. Não, de maneira alguma, atentem para o conceito de máquina, quando digo que a bebida é uma máquina isso , significa dizer que ela, enquanto maquina, faz seus proprios agenciamentos e ,por isso, sua configuração é mutante e singular; em suma, a bebida funciona para cada um de uma maneira particular,participando de um processo de formação e adequação de singularidades, que, adepender de agenciamentos outros,podem agir de uma maneira nova,como sem precedentes.
Quanto a questão fuga,essa se da de maneira estratégica em uma linha de fuga que não é,necessariamente, uma fuga covarde.
Vou escrever mais sobre o assunto, por enquanto ficaremos aqui, mas podem esperar,pra mais tarde,alguma coisa nesse sentido, afinal, o tema será recorrente por entender a gravidade e a importancia dele.
Abraços especiais a Binha (Velho Capadocio) e Heraldo.
Eu acho que é uma reflexão importante, eu trabalho em um petshop e quando ninguém vem comprar seu ração, então eu escrevo minhas reflexões no meu blog.
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