terça-feira, 18 de maio de 2010

O pesar profundo das paisagens: ou o que pode a memória em fluxo produzir


O pesar profundo das paisagens: ou o que pode a memória em fluxo produzir

Por Laio Bispo

  Percebe-se nos trabalhos de Eliezer Bezerra fluxos de pesares intensos, frutos de incessantes movimentos subjetivos que não se aglutinam, mas que, em primeiro lugar, rendem-se, de maneira aberta e espontânea, à memória. Assim, enquanto movimento e busca, insurgem espaços-corpos íntimos que se manifestam intempestivamente em co-relação com as possibilidades, produzindo, com isso, paisagens que, por certos desvios, encontra-se em consonância com o devir. Por tanto, se vê que em seu trabalho “o espírito respira para fora do espírito.” (Artaud) de tal maneira que a insuficiência artístico-expressiva, típica dos resíduos repetitivos contemporâneos, não afeta e não se faz presente na obra do artista.



  O esmero processual e a relação apreciativa estabelecida no desenvolvimento de seus trabalhos conduzem e identificam uma visceralidade que não se deixa abater pelo deslumbre, mas que se deixa conduzir pelo delírio do estar só e ser muitos. Os suportes, nesse sentido, expressam essa dimensão da inquietude. Nesse movimento, que se estabelece no ato criativo, torna-se necessário ao artista uma atitude filosófica, uma epoché, uma suspensão não exaustiva, mas estratégica, que consegue reunir características que apontam para uma solução expressiva que da à obra um caráter material condizente com a proposta conceitual e artística em questão. Assim, portanto, os suportes utilizados pelo artista advêm de uma necessidade interior à própria obra. Pintura, fotografia ou instalação apresentam-se como suportes desinteressados com/quanto à forma bem como os critérios técnicos que não se rendem aos espalhafatos acadêmicos.


  De maneira geral, o que se pode atestar sobre o sintomático trabalho de Eliezer Bezerra é a sua relação com o movimento permanente expresso em suas paisagens, um fluxo irredutível da memória que vagueia entre as suspensões de objetos diversos, e muros; muros incólumes livres dos pesares forçados e das expressões fetichistas. Em suma, um trabalho cartográfico que faz o múltiplo com força de sobriedade estética.

Um comentário:

Tecituras disse...

Aos poucos vou lendo... parabéns!
Gisèle