terça-feira, 1 de junho de 2010

Brevíssimas considerações sobre questões estéticas a partir de Platão, Nietzsche e Duchamp

BREVÍSSIMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE QUESTÕES ESTÉTICAS A PARTIR DE PLATÃO, NIETZSCHE E DUCHAMP

Por Laio Bispo



INTRODUÇÃO

A relação entre arte e filosofia sempre apresentou evidentes contrastes ao longo do pensamento ocidental. Existiu, como se sabe, uma certa tendência a relacionar a arte à princípios metafísicos que, de maneira geral, a desqualificava enquanto produto de uma expressão e criatividade genuinamente humana.
A natureza da obra de arte, a relação perceptiva (estética) e intelectual estabelecida entre sujeito e objeto, entre outras questões, sempre inquietaram aqueles que se dispuseram a estudar esse complexo mundo de afetos, percepções e idéias. Platão, embora não tenha sido um dos mais atentos à questão, é um dos mais influentes pensadores, o que, como veremos, talvez tenha prejudicado o desenvolvimento de uma teoria estética mais real e, por conseqüência, também uma produção artística menos representativa. A predominância das idéias platônicas era vista, por Nietzsche, como um problema a ser superado. Era necessária uma inversão do pensamento platônico,o que se daria,nesse sentido, através de uma transvaloração dos valores estéticos, que teria sua gênese no espírito dionisíaco. O texto em questão,porem, não fará aprofundamentos sobre as questões e diferenciações entre o ideal dionisíaco defendido por Nietzsche, e a concepção apolínea associada a Platão, por entender que o trabalho tem como objetivo apenas breves apontamentos, sendo estes localizados na questão mais especifica da inflexão nietzschiana e sua importância para o desenvolvimento artístico subseqüente.
Tendo como referências históricas os autores supracitados e a problemática existente entre eles, se poderá, por fim, fazer – através de um salto cronológico – uma aproximação, entre arte e conceito, a partir do artista francês Marcel Duchamp. Assim se perceberá, de maneira geral, a importância do pensamento de Nietzsche para as práticas artísticas e construções teóricas estéticas.

1. O PENSAMENTO PLATÔNICO, E A INVERSÃO NIETZSCHEANA

A reflexão sobre o sentido da arte, e suas implicações, foi durante muito tempo relegado a discussões secundárias. Uma relação intempestiva entre filosofia e arte, oriunda de uma concepção estética platônica depreciativa, é, segundo alguns autores, o motivo para o tardio entendimento positivo das concepções de ordem estética.
Tendo em vista o sistema platônico e, sobretudo, seu conceito de mimeses e a relação arbitraria aí estabelecida, os questionamentos estéticos e as manifestações artístico-expressivas passam por questionamentos e depreciações intelectuais. Questões como “pode a arte dizer a verdade?”, “qual o sentido da obra de arte?”, foram sob vários aspectos tidos como inferiores durante um longo período do pensamento ocidental. O longo tempo decorrido de influência e desdobramento do pensamento grego, de cunho platônico, tardou a esvair-se, o que, de modo mais significativo, só se fez mais efetivamente com Kant e sua estética transcendental. No entanto, é Nietzsche quem radicaliza, e suprime, a concepção estética platônica de maneira mais radical.
De maneira geral, Nietzsche é quem de fato entende que o que existiu, e existe, entre a filosofia e a arte foi um forçado divorcio entre amantes que não se fizeram entender por vias metafísicas, mas que, por caminhos concretos, perceberam o quão necessários eram entre si. Um matrimônio irredutível, com força agregadora e expansiva e, como veremos mais adiante, dotado de força vital.

1.1 A QUESTÃO ESTÉTICA: NIETZSCHE COMO PONTO DE INFLEXÃO

É evidente que o problema estético é, talvez, um dos mais emblemáticos e tortuosos problemas do conhecimento. Pode-se entender esse fato por ele mesmo ser, em si, algo já revelador de uma problemática que não se refere a algo de natureza estritamente epistemológica. Não é, nesse caso, algo meramente do domínio do conhecimento intelectual, privado e lógico; mas é, antes de tudo, uma questão da percepção.
A questão estética foi durante muitos séculos relegada a um âmbito pouco importante do pensamento ocidental. Neste caso não se pode negligenciar o fato da determinante contaminação platônica nas concepções estéticas subseqüentes, onde, de modo geral e rigoroso, a arte era vista enquanto algo que está

no mais baixo nível da hierarquia das atividades e dos modos de produção. A obra é comparada a um artefato grosseiro e a um empreendimento enganador e prejudicial, o artista sendo, para ele, mais um ingênuo e um inocente que um homem mal-intencionado. A desconfiança introduzida por Platão, embora contrariada por Aristóteles, vai criar (quando não serve a justificar uma censura vulgarmente “bem” pensante...) uma antipatia e uma inimizade duradouras entre filosofia e arte. (HAAR,Michel. 2000,p.11)

A abordagem clássica, ainda que com leves diferenciações, insiste por tratar a questão de tal maneira que o sentido artístico e expressivo acaba por ser fatalmente abandonado, passando, dessa forma, a ser algo meramente ilustrativo ou, em outras palavras, uma celebração platônica do conceito de mimeses (“imitação”).

Os tortuosos traçados metafísicos deixaram fortes marcas na compreensão, e própria elaboração, de um sentido estético imanente. As maculas platônicas persistiram indiscriminadamente por entre os séculos, inviabilizando uma concepção artística regida na - e a partir da - realidade. Sobre tais concepções, e na defesa de um significado estético mais real e lúcido, Nietzsche afirmou que “Como o bem e o verdadeiro, o belo também não existe. Desde que se isola um ideal da realidade se rebaixa, se empobrece, se calunia o real. ‘O belo pelo belo’, ‘o verdadeiro pelo verdadeiro’, ‘o bem pelo bem’ – eis três formas de um mau olhar para o real.” (1887, apud MACHADO, 1999 p. 86)

O que se passa entre Platão e Nietzsche é, sobretudo, um jogo de antagonismo epistemológico, tendo o segundo não apenas proposto, mas feito, uma inversão de ordem estética decisiva para o encaminhamento e conseqüente desenvolvimento de uma melhor compreensão dos sentidos, encarando-os, também, como a expressão positiva de uma vontade que tem na vida, em sua plenitude concreta, seu sentido derradeiro.

2. DUCHAMP E A RE-SIGNIFICAÇÃO DA OBRA DE ARTE

Salvaguardadas as diferenciações epistemológicas entre os autores citados, e tendo em vista a relativa e fundamental importância do pensamento nietzschiano para o desenvolvimento das teorias estéticas e, sobretudo, para o estabelecimento de um sentido maior da obra de arte, pode-se enfim pensar – embora não sem um pequeno salto cronológico – alguns incômodos da arte contemporânea.
A arte de nosso tempo tem como principal característica uma profunda e, também problemática, relação com o conceito; de maneira diversa, ela se faz conceitual. Historicamente isso se da graças a Marcel Duchamp e seus ready-made’s. A apropriação artística de objetos industrializados e a re-significação dada a estes traz a arte para um âmbito radicalmente novo. Afinal, ainda que se fale em uma tal estética do vazio, não se pode negar a novidade e radicalidade implícitas no ato de expor, em meio a pinturas e esculturas, um urinol; um produto industrializado, pronto, oriundo de uma série, cuja única diferença se da, a partir da apropriação, através da assinatura do artista. Os significados e as conseqüências dessa ousadia intelectual são expansivas, ressonantes, diversas. Como o próprio Duchamp disse certa vez, sua atitude artística foi “uma forma de recusar a possibilidade de definir a arte.” Sobre o perigo do “jogo” feito por Duchamp através do seu ready-made alerta Octavio Paz:

“O ready-made é uma arma de dois gumes: se se transforma em obra de arte, malogra o gesto de profanação; se preserva a sua neutralidade, converte o gesto em obra. Nessa armadilha caíram, em sua maioria, os seguidores de Duchamp: não é fácil jogar com facas.” (2004, p.28)

 Duchamp é o que se pode chamar, sem receios, de um pensador-artista, a sua proposta é um agregado de novas significações, uma radical ruptura dentro do história da arte, um deslocamento estratégico que tem na relação com a filosofia sua singularidade e, consquente, afirmação de uma vontade positiva que se faz, assim como em Nietzsche, a partir de um radical questionamento dos valores vigentes. Não é sem proprosito, ou ainda forçoso, afirmar que existe, sim, uma intima relação entre as obras de Nietzsche e Duchamp. Não apenas a radicalidade os aproxima, mas, sob aspectos variados, percebe-se que cada qual, em suas respectivas abordagens, dão ao pensamento uma caracteristca nova, que advem do fato de ambos tentarem libertar o pensamento dos grilhões metafísicos e morais. A representação mimetica bem como a possibilidade de se pensar, e fazer, arte a partir de apropriações e não apenas utilizar suportes cansados como meio de expressão artistica é um dos fatores que fazem do pensamento, e obra, de Duchamp uma significativa transvaloração das idéias e práticas artisticas. De maneira que é possível ver o quão, ainda que implicitamente, Nietzsche foi influente para o consequente desenvolvimento das teorias e práticas estéticas e artisticas.
 Em suma, o que se pode ressaltar de maneira geral é que, em certa medida, uma nova destruição dos padrões estéticos, então vigentes, ocorreu. Desta vez, porém, através de uma intervenção diretamente artística. Certa vez o poeta e ensaista mexicano Octavio Paz escreveu referindo-se a Duchamp, que: “ Seu fascínio diante da linguagem é de ordem intelectual: é o instrumento mais perfeito para produzir significados e, também, para destruí-los.” ( 2004, p.11).

Um comentário:

Tecituras disse...

Muito bacana,mas... em alguns momentos um pouco complicado. Seria interessante o texto em um grupo de estudos, aulas.
Gosto muito da sua escrita.
abraço
Gisèle